CÉRCIO (Miranda do Douro)Francisco Martins, de Cércio – popularmente conhecido por Francisco Cabreiro ou Tiu Niebes – foi o gaiteiro que integrou a delegação dos Pauliteiros das Terras de Miranda que actuou, em 6 de Janeiro de 1934, no Royal Albert Hall, famosa sala de espectáculos situada em Londres, por iniciativa de Rodney Gallop (contando com a cooperação de António Mendonça e Raul Teixeira) e a convite da ainda hoje muito prestigiada English Folk Song and Dance Society.


Esta histórica representação da cultura musical mirandesa contou com a actuação de oito dançadores, todos integrantes do grupo de Pauliteiros de Cércio, a saber: Amador Marques Delgado, Porfírio Augusto Alves Martins, Virgílio dos Anjos Marques, José Carvalho Raposo, Adriano Domingos, Lázaro Augusto Carvalho, António Maria Carvalho e José Maria Calejo. Segundo testemunhos da época, José Maria Calejo era o responsável pelo grupo de dança, ostentando Aníbal Nascimento Raposo a soberba capa de honras mirandesa.Os acompanhantes habituais de Francisco Martins (que com ele foram a Londres) eram: Manuel Maria Calejo, de Cércio, tocador de caixa, e Francisco Maria Gonçalves, de Águas Vivas, tocador de bombo (que chegou a acompanhar o gaiteiro José Agostinho Diz, dito Tiu Bígaro, também de Águas Vivas). Rodney Gallop recorda nos seguintes termos a figura do gaiteiro de Cércio: As melodias sobre as quais se baila a dança dos paulitos são executadas por uma gaita de foles acompanhada de dois tambores. O velho gaiteiro que foi a Londres, Sr. Francisco Martins, tinha um instrumento tão velho como ele, de bem amadurecido buxo e pele de chibo. Na sua obra, Cantares do Povo Português, que acabámos de citar, Rodney Gallop apresentou numerosas partituras das suas recolhas em Cércio, dando-nos preciosa informação sobre o estilo do gaiteiro Francisco Martins ao fazer questão de notar que devido aos estranhos intervalos da gaita e aos floreados ornamentos que enfeitam estas melodias são elas particularmente difíceis de notar. Infelizmente, das partituras incluídas na referida obra apenas quatro seguramente se reportam directamente ao repertório tocado por Francisco Martins: nº 111 - Um dos “lhaços da dança dos paulitos”, recolhida em Cércio, da execução na gaita de foles dos “pauliteiros”; nº 112 - Cantiga bailada recolhida dos “pauliteiros” de Cércio (Rabatida); nº 113 - Cantiga bailada recolhida dos “pauliteiros” de Cércio (Rolinha); e nº 122 - Cantiga recolhido em Cércio (Manolo Mio). De referir que os títulos são da nossa responsabilidade. E, do mesmo modo, também a notação utilizada nas partituras nada nos fornece sobre os floreados ornamentos referidos por Rodney Gallopp (afinal os mais seguros elementos que nos permitiriam apreciar o estilo pessoal do Tiu Niebes), limitando-se a fornecer-nos as correspondentes melodias básicas (de um modo geral coincidentes com as que se conhecem por toda a Terra de Miranda, com as tão inevitáveis como enriquecedoras variantes que sempre normalmente se registam neste domínio).Francisco Martins vendeu a sua gaita de foles ao então jovem gaiteiro de Vale de Mira, Manuel Paulo Martins que, por sua vez, a vendeu a um desconhecido num dia em que estava particularmente mal disposto: Eu era muito amigo do Tiu Niebes e foi por isso que ele me vendeu a gaita, por um preço tão baixo que foi como se a tivesse dado. O tiu Niebes tocava muito bem!Francisco Martins foi gravado e filmado em 1932 por Kurt Schindler, na sequência de contactos estabelecidos por Raul Teixeira, então director da Biblioteca Erudita anexa ao Museu Regional de Bragança. Em entrevista concedida ao Diário da Manhã, em 30 de Dezembro de 1912, Raul Teixeira afirmou:Em Outubro de 1932, a pedido do então Cônsul Geral de Portugal em Madrid, hoje ministro de 2ª classe dirigindo uma repartição do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o meu amigo Dr. Félix de Carvalho, acompanhei em excursões de estudo por terras do distrito de Bragança um musicógrafo um musicógrafo de elevada reputação, o Sr. Kurt Schindler, que a Portugal veio mandado pela Columbia University de New York, e recomendado pelo doutíssimo presidente do Centro de Estúdios Históricos de Madrid, o insigne sábio espanhol Menendez Pidal, estudar o folclore português e à busca de subsídios para o enriquecimento do Romanceiro Peninsular.Estivemos em Miranda do Douro onde Schindler impressionou discos e filmou a “Dança dos Paulitos”. Depois, numa aldeia do concelho de Vinhais, Tuizelo, o artista fez uma tal recolha preciosíssima de canções, romances, cantares e pastorelas (muitas das quais publicadas no primeiro volume do interessante livro “Folklore do Concelho de Vinhais”, do meu amigo Padre Firmino Martins), que Schindler, numa sincera expressão de profundo contentamento, me confessou ser aquele o dia mais cheio da sua vida de pesquisador, pela riqueza inesgotável que encontrara para o cabal desempenho da missão que a Portugal o trouxera.De regresso à América, na sua passagem por Madrid, fez ouvir as colheitas feitas em Vinhais, Miranda do Douro e Cércio, pequeno povoado do alfoz de Miranda, a uma assistência de elite. O entusiasmo nos ouvintes, disse-me depois Félix de Carvalho, foi verdadeiramente impressionante.Vindo das terras de Sejas de Aliste, Kurt Schindler chegou a Miranda do Douro no dia 1 de Outubro de 1932 e no dia seguinte efectuou um número verdadeiramente impressionante de gravações, principalmente de “lhaços”, interpretados pelo conjunto instrumental dos pauliteiros de Cércio, integrado por: Francisco Martins (gaita de foles), Manuel Maria Calejo (caixa de guerra) e Francisco Maria Gonçalves (bombo). Vinha munido de um gravador portátil Fairchild, que lhe permitiu gravar a música recolhida directamente para discos de alumínio (na viagem realizada por Espanha e Portugal foram gravados 160 discos, contendo um total de 600 espécimes recolhidos). Tendo falecido em New York, em 16 de Novembro de 1935, a sua obra apenas seria publicada seis anos depois, em 1941, pelo Hispanic Institute in the United States, com o título Folk Music and Poetry of Spain and Portugal. Eis os espécimes (laços de pauliteiros) recolhidos por Kurt Schindler em Cércio, Miranda do Douro, interpretados por Francisco Martins, Manuel Maria Calejo e Francisco Maria Gonçalves (com os títulos e números de série atribuídos pelo musicólogo), cujas partituras se acham impressas na referida obra (encontrando-se as gravações arquivadas na Columbia University):
926. Ofícios d’aprender 927. Pr’aquella cañada 928. O touro de esta vila 929. Canário 930. Se quiés ir a culher rozas 931. Ao lugar de Freixeneda 932. Caballero, que queeres de mí? 933. Que nun são palombas 934. Mirundum 935. Y ala berde rretamar 936. El vilhano de Zamora 937. El padre António 938. Por la puente de Dinguelendeira O Padre Firmino Martins, que o recebeu em sua casa, não deixou de elogiar o seu trabalho, mostrando-se particularmente grato pelo facto de Kurt Schindler ter escrito que foi no Norte de Portugal que ouviu cantar as mais belas canções. E Michel Giacometti não hesitou em incluir no Cancioneiro Popular Português, publicado em 1982, espécimes tal como foram recolhidos por Schindler, tais como, no que se refere à Terra de Miranda, Ofícios d’aprender, um “lhaço” tocado em gaita de foles por Francisco Martins e respectivos acompanhantes atrás referenciados.

FOTOS DA ACTUAÇAO DOS PAULITEIROS EM LONDRES

Pequenos Mirandeses

SABIAS QUE...
Em tempos longínquos, na povoação de Cércio houve uma grande febre - FEBRE AMARELA. Tudo aconteceu quando alguns habitantes de Vila Chã, portadoras dessa doença, lembraram-se de vir a uma fonte de Cércio lavar as roupas dos doentes. Como toda a gente bebia a água dessa fonte, muitas pessoas morreram com essa doença. Nessa altura, a povoação de Cércio estava deslocada mais para baixo, estando mais perto da ribeira. Naquela época, Cércio era uma freguesia muito grande, onde se realizava uma feira denominada Feira da Barata. É por isso que a fonte em questão se chama Fonte da Barata.

Autora: Cristiana Felgueiras